Portugal, os Judeus e Israel
A recente e polémica visita de Benjamin Netanyahu a Lisboa tem
sido um pretexto para discutir as relações entre Portugal e o Estado de Israel.
Todavia, a interação entre os dois Estados tem alicerces mais antigos que o
moderno Estado de Israel e o quase milenar Portugal.
Estima-se que a presença de judeus no
atual território nacional seja anterior à formação do Império Romano. As trocas
comerciais que na altura prosperavam no Mediterrâneo resultavam na deslocação
de população, nomeadamente mercadores judeus e de outras etnias, entre o
oriente do Crescente Fértil e o ocidente da Península Ibérica.
Com as Guerras Romano-Judaicas durante os
séculos I e II, que culminaram com a expulsão de Jerusalém decretada pelo
Imperador Adriano, a diáspora judaica intensificou-se para todo o mundo,
inclusive para a Península Ibérica, ou Sefarad em hebraico, que se tornou a
casa dos judeus sefarditas (o segundo maior grupo étnico judeu, depois dos
judeus asquenazes).
Até se formar Portugal, os judeus viveram
momentos de maior ou menor prosperidade, ao sabor dos ventos visigodos e mouros
que sopravam mais ou menos intolerância consoante as lideranças do momento.
Para a história ficaram a proibição de casamentos mistos e conversões forçadas
nos reinados cristãos visigóticos; e uma maior liberdade no contexto do
Al-Andalus.
Com a fundação de Portugal em 1143, os
judeus ganharam importância enquanto força povoadora de um território por
estabilizar, estendendo as suas comunidades por todo o país. A maior parte da
população trabalhava a terra e eram artesãos; os mais prósperos tornaram-se
proprietários de terras, grandes comerciantes, médicos, tesoureiros e até altos
funcionários e aristocratas do reino. A população de judeus em Portugal
prosperou e multiplicou-se até ao século XV. Diferentes historiadores, com
opiniões díspares, estimam que nesta época os judeus chegaram a representar
entre 5% e 20% da população total (resultado das dezenas de milhares de judeus
expulsos dos reinos ibéricos vizinhos que se juntaram aos já numerosos judeus
portugueses).
Porém, entre os finais do século XV e
início do século XVI o termo pogrom entra de forma violenta na história
de Portugal. A pressão política da princesa Isabel de Aragão (futura rainha
Isabel de Portugal) e um surto de peste bubónica criaram a tempestade perfeita.
D. Manuel I casa com a princesa aragonesa, cumprindo a cláusula de expulsão de
hereges (e conversão forçada dos que permanecessem no país), e em 1506 uma
turba encabeçada por alguns elementos fanáticos do clero massacram milhares de
judeus em poucos dias. Nos anos seguintes a recém-criada Inquisição deu o
impulso definitivo à, já iniciada, diáspora dos judeus portugueses para todos
os cantos do mundo.
Lisboa tornou-se numa espécie de segunda
Jerusalém para os judeus – a pátria e casa da qual foram expulsos e gostariam
de regressar um dia. Foi neste sentido que, nos últimos quatro anos, cerca de
37 mil judeus estrangeiros de origem portuguesa pediram passaporte português.
Alguns deles ainda guardam a chaves de casas portuguesas que já não existem e
recordam o ladino (língua usada pelos judeus de origem ibérica) falado pelos
anciãos das suas famílias.
Esta ligação histórica, cultural e
sentimental tem também passado para o campo económico, em duas vertentes: pela
via óbvia do turismo – Portugal atrai cada vez mais turistas judeus de todo o
mundo, não só para Lisboa mas também para cidades com outros importantes
centros históricos judaicos medievais, como Belmonte, Castelo de Vide,
Trancoso, Guarda, Tomar, etc.; e pela via da segurança e defesa – os israelitas
exportam o state of the art tecnológico nas áreas do contraterrorismo,
segurança pública e cibersegurança.
Em termos políticos a relação não tem sido
tão linear. O hemisfério esquerdo da Assembleia da República tem usado a
questão palestiniana para boicotar a cooperação a qualquer nível com Portugal.
Contudo, considerando os últimos acontecimentos, a voz da extrema-esquerda teve
impacto reduzido. António Costa e Benjamin Netanyahu concertaram cooperação nas
áreas da segurança, inovação e ciência, designadamente em projetos para o
aproveitamento da água. Outro facto relevante passa pelo anúncio da visita de
Marcelo Rebelo de Sousa a Israel, em janeiro de 2020. A visita do Presidente da
República irá potenciar as relações diplomáticas e comerciais entre os dois
países, numa altura em que se irão celebrar os setenta e cinco anos da
libertação dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial.
Tal como muitos portugueses, Marcelo de
Rebelo de Sousa tem também ascendência judia (via linhagem materna). Do passado
ao presente, são inúmeros os judeus portugueses e seus descendentes que
deixaram a sua marca em Portugal e no mundo, desde os mais antigos Abrão
Zacuto, Garcia de Orta, Pedro Nunes, Pedro Álvares Cabral ou David Ricardo, até
aos mais modernos Benjamin Disraeli, Jorge Sampaio ou Daniela Ruah.
A aproximação renovada entre os dois povos
e os dois Estados é encarada como uma redescoberta e um reencontro histórico,
mas também como uma oportunidade de prosperidade para um Portugal que sempre se
realizou num contexto global para além da Europa.
David Pimenta
(artigo também publicado em: https://www.publico.pt/2019/12/18/opiniao/opiniao/portugal-judeus-israel-1897811)

Comentários
Enviar um comentário