Guerras tarifárias, prosperidade e paz
A guerra de tarifas aduaneiras que os EUA de Donald Trump têm despoletado contra uma série de parceiros comerciais tem por base o argumento do reequilíbrio da balança comercial norte-americana que tem estado deficitária face a alguns desses parceiros. Outro argumento poderosíssimo apresentado pela administração Trump é mais emocional e identitário – castigar os “outros” para proteger os “nossos”, mais concretamente, proteger as empresas e os empregos dos americanos.
Em contra corrente, a ciência
económica olha para o déficit comercial norte-americano de outro prisma. No
caso dos EUA, para além dos níveis de consumo elevados, o déficit é sobretudo
produto da sua vibrante economia (sustentada por alta produtividade e pouca
regulação) que atrai investimento estrangeiro. As entradas massivas de capitais
estrangeiros contribuem também para tornar o dólar a reserva de valor global
por excelência. Assim se percebe que o valor dos bens importados seja mais
barato do que o dos bens exportados, gerando um déficit.
Há décadas que a economia
americana é favorita dos investidores à custa duma balança comercial
deficitária; e as atuais perdas que se registam nos mercados de capitais
americanos são a primeira consequência da mudança brusca de política comercial.
Passando da perspetiva macro dos
estados para a perspetiva micro dos cidadãos, quando as importações se tornam
mais caras, via aplicação generalizada de tarifas, os consumidores terão,
obviamente, de pagar mais pelos produtos que estavam habituados a comprar. Tal
acontece não só com produtos importados, mas também com produtos nacionais que
dependem de matérias primas ou componentes externos. Existem poucas, e nocivas,
formas de o preço não aumentar para o consumidor final: ser o estado (isto é,
os próprios cidadãos) a subsidiar a economia, ou serem as empresas a cortarem a
qualidade de produtos para assegurar as margens de lucro.
Com este cenário em prática e
durante um tempo considerável, os agentes económicos, nomeadamente as famílias
e as empresas entram num ciclo recessivo de quebras no consumo, quebras nas
vendas, redução do investimento, despedimentos e outros quantos sintomas
típicos duma economia doente.
A aplicação de tarifas de forma
pontual e dirigida pode ter efeitos positivos, mas uma guerra tarifária em larga
escala e com uma duração considerável não tem sustentação teórica ou prática,
em termos de prosperidade dos estados e cidadãos. Neste sentido, apenas se
compreende que ou estamos perante uma opção comercial transitória para
reequilíbrio da balança comercial, ou, caso seja algo para durar, estamos à
mercê de objetivos geopolíticos. Por outras palavras, as tarifas impostas são
uma arma geopolítica para obter eventuais vantagens políticas e económicas
futuras à custa da economia do presente. Contudo, importa relevar que uma
eventual futura recuperação face a quebras passadas não é um dado adquirido.
O argumento que tem por base
castigar os “outros” para proteger os “nossos” através de restrições comerciais
é, por si só, falacioso. Numa guerra tarifária, tanto produtores estrangeiros
como consumidores nacionais são prejudicados por haver uma distorção da
alocação eficiente de recursos. O economista de origem judaico-portuguesa David
Ricardo, ensinou-nos que a prosperidade global é atingida se cada país se especializar
na produção de bens nos quais seja relativamente mais eficiente. Ora, as
tarifas interferem nesse processo, elevando o custo dos bens importados e
estimulando a produção doméstica de itens nos quais o país não possui vantagem
comparativa. Esta ineficiência atinge níveis ainda mais elevados em situação de
retaliação, isto é, de guerra comercial.
Finalmente, acrescente-se que as guerras tarifárias podem gerar tensões de outro tipo. Como evidenciaram Kant, Adam Smith e muitos outros pensadores, o comércio livre cria laços de interdependência entre os estados que reduzem a probabilidade de conflitos militares.
David Pimenta (Artigo também publicado em:
https://www.publico.pt/2025/03/25/opiniao/opiniao/guerras-tarifarias-prosperidade-paz-2127117)

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