Os radicais da frente leste
No passado domingo a proa do navio do dito establishment político europeu sofreu rombos adicionais. As eleições nos estados alemães da Turíngia e Saxónia revelaram mais uma subida do suspeito do costume – a direita radical – e também da esquerda radical.
Na Turíngia, a direita da Alternative
für Deutschland (AfD) ganhou as eleições, depois do terceiro lugar em 2019;
e a esquerda da Bündnis Sahra Wagenknecht (BSW) estreou-se nas eleições
como o terceiro partido mais votado, ultrapassando inclusive o Die Linke
que tinha vencido em 2019. A vitória da AfD na Turíngia revelou também uma
vitória dos mais radicais entre os radicais. Neste estado, o partido é liderado
por Björn Höcke – político controverso, inúmeras vezes acusado de fazer
resvalar o partido de direita radical para a extrema-direita devido a discursos
associados a posições antissemitas e até neonazis.
No estado da Saxónia, a AfD
manteve o segundo lugar que obteve em 2019, mas com uma percentagem muito
próxima da CDU (centro-direita); e o BSW estreou-se com o terceiro lugar.
É ainda de realçar que os
partidos que compõe a coligação nacional liderada por Olaf Scholz, que governa
o país, tiveram péssimos resultados em ambos os estados, confirmando uma
tendência de queda. Na Turíngia, o histórico SPD (centro-esquerda) de Scholz foi
apenas o quinto partido mais votado.
O resultado não surpreende. Os
últimos anos têm provado que não há excecionalismos na cavalgada de soluções
políticas mais radicais em diversas regiões do Ocidente, seja no Algarve
português ou na Turíngia alemã.
A Alemanha é um país singular. É um
dos centros políticos e geográficos do continente, é o motor económico da União
Europeia (UE) e a pátria de grandes convulsões sociais e políticas da história.
Há cerca de 34 anos a Alemanha Oriental (RDA) via-se livre do totalitarismo
comunista que, por sua vez, tinha substituído o totalitarismo
nacional-socialista nos anos 40 do século XX. Durante cerca de 50 anos os
alemães do leste do país viveram, de forma praticamente ininterrupta, em
ditadura.
Em 2024, é precisamente nos
estados do leste da Alemanha que as soluções políticas radicais à direita e à
esquerda ganham mais apoio eleitoral. Vários estudos têm identificado diversos fatores
para tal acontecer: a desigualdade económica do leste alemão face ao resto do
país, a perceção da fronteira leste enquanto porta de entrada de imigrantes não
europeus e o pesado legado da RDA. A conjugação destes fatores alimenta
posições iliberais face às instituições democráticas vigentes e um desencanto
em relação ao sistema político como um todo que, para muitos eleitores, se
revela incapaz de solucionar problemas e oferecer uma prosperidade prometida.
Finalmente, no coração da
problemática, encontra-se o tema da identidade. A reunificação do país dividido
em duas identidades no século XX e a entrada abrupta no século XXI,
caracterizado pela convivência de várias identidades, gerou tensões que têm
vindo a ganhar cada vez mais voz.
Apesar das várias diferenças
entre a AfD e o BSW, os partidos partilham importantes pontos em comum. Em
política externa, verifica-se uma crítica política e económica à UE e uma
posição benevolente, e até amigável, face à Rússia de Vladimir Putin; e,
relativamente à imigração, são defendidas mais restrições à imigração. Em suma,
a AfD e o BSW apresentam-se como partidos que oferecem soluções para combater a
insegurança económica e identitária percecionada por um eleitorado que se sente
cada vez menos representado pelo espaço do centro-esquerda e centro-direita.
Apesar da influência da Alemanha ocidental
(e do Ocidente, latu sensu) sobre a sua irmã do leste, um muro invisível
subsiste e divide ambos os lados do país. Contudo, uma problematização completa
do fenómeno político na Alemanha exige a não subestimação da capacidade de
influência inversa.
No final do presente mês as
eleições no estado de Brandemburgo fazem antever um resultado similar ao dos
estados da Turíngia e Saxónia; e, no mesmo sentido, as mais recentes sondagens
a nível nacional mostram a crescente popularidade da AfD (que frequentemente
ocupa o segundo lugar à frente do SPD) e do estreante BSW (que se aproxima
paulatinamente do quarto lugar ocupado pelos Verdes). O futuro revelará se a
tendência radical que se confirma a leste irá dominar a totalidade dum país que,
muitas vezes, tem a capacidade de definir toda a Europa.
David Pimenta (Artigo também publicado em:
https://www.publico.pt/2024/09/05/opiniao/opiniao/radicais-frente-leste-2102892)

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