A guerra do 5G

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A competição tecnológica entre superpotências é imemorial. A tecnologia, a par de outros fatores, foi decisiva para o domínio em larga escala de grandes civilizações do passado como a egípcia, a grega, ou a romana. O caso da civilização romana é paradigmático. Qualquer turista que passe por alguns países europeus apercebe-se que os inúmeros vestígios de estradas, pontes e aquedutos romanos revolucionaram a mobilidade na Europa, tendo permitido a um povo nascido nas margens do rio Tibre conquistar e administrar um vastíssimo território que se estendia desde a antiga Babilónia até à Península Ibérica.

Viajando uns séculos para a frente, quando pensamos em competição tecnológica entre gigantes, surge-nos em mente a escalada nuclear entre os EUA e União Soviética, na segunda metade do século XX.

No século XXI o paradigma mudou definitivamente. A guerra tecnológica entre superpotências ganhou um novo foco – o consumidor. A era da conquista e fidelização de consumidores à escala global fez desaparecer a Rússia (principal herdeira do império soviético) da contenda. As inovações tecnológicas do passado que colocaram os soviéticos no espaço e permitiram dominar inúmeros povos na Europa e na Ásia, não tiveram seguimento no galopante século XXI. Os descendentes do Império do Meio trataram de tomar o seu lugar.

Atualmente a disputa tecnológica incide sobre diversas vertentes, interligadas entre si. Desde as novas formas de mobilidade (condução autónoma, eletrificação automóvel, etc.), passando pela inteligência artificial, big data e, mais recentemente, o 5G.

As potencialidades da quinta geração da rede móvel prometem um admirável mundo novo. Esta tecnologia não só vai aumentar drasticamente a velocidade das comunicações (permitindo descarregar dados de maior volume, como um filme, em escassos segundos), mas vai também generalizar a implementação da Internet of Things, traduzindo-se no aumento do número de dispositivos e máquinas (telemóveis, micro-ondas, automóveis, sistemas de segurança, etc.) com acesso à internet e a comunicar entre si, fomentando o próprio desenvolvimento da inteligência artificial. A tecnologia 5G é verdadeiramente revolucionária na medida em que irá automatizar tarefas domésticas, de lazer e produtivas, alterando as vidas de todos nós e impactando as mais diversas áreas, desde a economia, a saúde, a mobilidade, ou a segurança.

A corrida pelo 5G não está ao alcance de todos; é dispendiosa e exigente, nomeadamente na instalação e manutenção das redes de fibra ótica. A consultora EY estima um investimento por parte da China de cerca de 223 mil milhões de dólares entre 2019 e 2025. Até ao momento nenhum país mostrou capacidade para tanto. Neste sentido foi publicado o plano estratégico governamental chinês “Made in China 2025”, que reposiciona a China como um país inovador e produtor de alta tecnologia com alto valor, anunciando o 5G como prioridade nacional.

Perante este cenário, as campainhas de alarme começaram a soar em Washington. O Departamento de Defesa norte-americano lançou um importante documento “The 5G Ecosystem: Risks & Opportunities for DoD”, que alerta para o facto de a China poder vir a dominar o ecossistema wireless com o 5G, na mesma medida em que os EUA dominaram a última década com o 4G. O Departamento de Defesa alerta ainda para o facto das grandes empresas chinesas como a Huawei e a ZTE poderem vir a ocupar o espaço das atuais tecnológicas norte-americanas.

No Ocidente as reações às incursões comerciais chinesas têm sido díspares e, por vezes, bipolares. Observa-se um misto de não querer perder o comboio do futuro, cujo maquinista tem sido Xi Jinping, pairando ao mesmo tempo um clima de receio securitário sobre o facto de
o 5G poder ser um Cavalo de Tróia (ou, em linguagem informática, um backdoor) da China, com o objetivo de penetrar as redes de telecomunicações ocidentais. Esta bipolaridade traduz-se por um lado na abertura ao investimento tecnológico em países como Portugal e, por outro lado, na detenção de executivos da Huawei, acusados de espionagem e violação de sanções, na Europa e na América do Norte (nomeadamente no Canadá e, mais recentemente, na Polónia).

A China já ganhou a dianteira da corrida pelo 5G, mas a guerra não está ganha. Os EUA farão tudo para apanhar e, se possível, ultrapassar a China. Para já, foram apenas reativos: conseguiram mobilizar a NATO e parte do globo, acenando com a bandeira securitária; e, pegando no tweet de Donald Trump, apresentaram intenções de investir rapidamente no desenvolvimento do 5G e até do inexistente 6G.

A Europa, casa-mãe de gigantes das telecomunicações do passado (como Nokia, a Ericsson, ou a Siemens), vai dançando uma música que não compôs, tentando posicionar-se entre o binómio ameaça/oportunidade tecnológica chinesa e a histórica aliança transatlântica comandada pelos EUA.

Não sabemos quais serão os próximos episódios desta guerra, mas sabemos que quem triunfar no tabuleiro tecnológico fará xeque-mate no futuro. À Europa exige-se que entre em jogo com estratégia e investimento numa tecnologia que poderá ser decisiva para a liberdade e independência de todos os cidadãos e Estados europeus.


David Pimenta

(artigo também publicado no jornal "O Público": https://www.publico.pt/2019/04/10/tecnologia/opiniao/guerra-5g-1868861)

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