Outubro à Direita: transformações locais com impacto nacional

 


Na sequência das eleições legislativas de maio, as próximas eleições autárquicas, juntamente com a eleição presidencial marcada para janeiro de 2026, moldam a agenda política e mediática portuguesa.

Este artigo centra-se nos principais partidos do espectro da direita (incluindo os partidos de centro-direita) – nomeadamente PSD, Chega, IL e CDS-PP – o segmento que domina, no presente, o parlamento nacional. A atenção recai sobre as eleições autárquicas, o próximo grande acontecimento político, simultaneamente condicionado pelos resultados das legislativas e com potencial para influenciar a dinâmica da futura corrida presidencial.

Uma análise das eleições autárquicas deve começar por reconhecer duas mudanças estruturais reveladas no mais recente sufrágio nacional. Em primeiro lugar, os partidos de direita conquistaram coletivamente quase dois terços dos assentos parlamentares, um resultado sem precedentes na democracia portuguesa. A AD obteve mais deputados do que toda a esquerda em conjunto. Contudo, o desempenho do centro-direita foi historicamente modesto, tendo vencido com uma percentagem de votos inferior à de 2019, ano em que tinha sido claramente derrotado pelos socialistas. Este resultado paradoxal aponta para uma segunda transformação fundamental: a erosão do tradicional bipartidarismo português, consequência da ascensão do Chega, que ultrapassou a barreira dos 20% e se afirmou como a segunda maior força parlamentar.

É amplamente reconhecido que o plano local difere substancialmente do nacional. O comportamento eleitoral nas autárquicas tende a ser menos ideológico e menos estritamente partidário, incidindo antes sobre os candidatos concretos – alguns dos quais já concorreram por diferentes partidos ou até como independentes ao longo da sua carreira – e sobre os problemas específicos de cada município. Neste sentido, é expectável que os resultados autárquicos divirjam dos observados nas recentes legislativas.

Uma das principais batalhas em jogo nestas eleições é o controlo do maior número possível de câmaras municipais, com implicações diretas na liderança das poderosas associações nacionais de municípios e de freguesias, ambas atualmente presididas pelo PS.

Enquanto maior partido do centro-direita, o PSD procurará naturalmente ultrapassar o PS como a força política com mais municípios governados, o que lhe permitirá reivindicar a presidência dessas associações. Para tal, necessita conquistar mais 36 câmaras. Neste esforço, apresenta-se em coligação com o CDS-PP em diversos concelhos, nalguns casos também com a IL e ainda com partidos de menor expressão. Esta estratégia reflete não apenas a capacidade agregadora do PSD, mas também a sua flexibilidade ideológica, que lhe permite acomodar arranjos governativos tanto com conservadores como com liberais. Todavia, a possibilidade de vir a conquistar o maior número de autarquias está inevitavelmente condicionada pelo crescimento do novo grande partido à sua direita.

Apesar do sucesso nas legislativas, o Chega continua a ser um ator relativamente recente na política portuguesa. Nas autárquicas de 2021, quando o país político era bem diferente, o partido obteve cerca de 200 mil votos – um valor muito distante dos quase 1,5 milhões alcançados nas legislativas de maio último.

André Ventura acredita que o Chega está agora em condições de conquistar várias câmaras municipais. Para esse fim, o partido apresenta todos os seus deputados (exceto o próprio Ventura) como candidatos a presidências de câmara ou cabeças de lista a assembleias municipais. Trata-se de uma estratégia arrojada, uma vez que alguns candidatos poderão realisticamente conquistar autarquias, abdicando assim dos seus lugares no Parlamento. Ainda assim, o cenário não é inteiramente favorável para o Chega: muitos candidatos carecem de experiência na política local e o partido mantém-se fortemente dependente do seu líder – como se comprova pela sua recente candidatura presidencial, em que o próprio admitiu não ter conseguido mobilizar uma alternativa de peso.

A Iniciativa Liberal demonstra confiança num crescimento face a 2021, mas reconhece a impossibilidade prática de eleger presidentes de câmara, dada a sua presença ainda incipiente no plano local. Tal como a nível nacional, o partido continua a enfrentar dificuldades em transmitir de forma massiva e eficaz os méritos substantivos do liberalismo – em especial do liberalismo económico –, que exige do eleitorado algum grau de literacia económica e financeira para compreender as suas vantagens, assim como a necessidade de reforma fiscal e de uma profunda reestruturação do Estado.

O CDS-PP, por seu turno, apesar de ser um partido histórico e de contar com figuras de relevo em alguns municípios, deverá enfrentar dificuldades, já que metade das autarquias que atualmente governa irá a votos sem que os presidentes em funções se recandidatem. Assim, o partido continuará fortemente dependente do PSD para preservar a sua relevância política, refletindo no plano local a dinâmica já observada a nível nacional.

Apesar da atual predominância da direita no espectro político, subsiste uma clara divisão entre, por um lado, PSD, CDS-PP e IL, e, por outro, o Chega. Ao contrário do que sucedeu com os acordos governativos à esquerda, nomeadamente a “geringonça” de António Costa, a direita portuguesa (à semelhança de outras direitas europeias) permanece fragmentada entre defensores de formas mais ou menos liberais de democracia. Não obstante, esta divisão revela-se muitas vezes mais tática do que ideológica. Basta observar o caso da imigração e da segurança: desde as últimas legislativas, ambos os temas têm sido cada vez mais abordados pela AD e pela IL (e, nalguns casos, até por figuras do PS), ora alinhando-se com posições próximas das do Chega, ora assumindo posturas menos restritivas. Neste sentido, embora o Chega não concorra coligado com outros partidos, é expectável que as divisões internas da direita sejam mitigadas por arranjos governativos convergentes em torno de prioridades partilhadas, designadamente nas áreas da segurança e da habitação.

A narrativa da vitória nas autárquicas não será definida apenas pelo número global de municípios conquistados, mas também pelo desfecho nas duas principais cidades: Lisboa e Porto. As sondagens têm apontado para margens estreitas de vitória de Carlos Moedas em Lisboa e de Manuel Pizarro no Porto, ou para empates técnicos. Porém, incidentes como as tragédias dos incêndios de verão, o descarrilamento do Elevador da Glória, ou outros acontecimentos imprevistos poderão alterar o resultado final.

Independentemente da decisão nas urnas, é expectável uma vitória global do PSD e, nalguns casos, a assunção do papel de fiel da balança por parte do Chega, com a possibilidade – e, segundo alguns, a responsabilidade – de providenciar estabilidade ao espaço político da direita.

Em termos gerais, um dos desenvolvimentos mais significativos será provavelmente o aumento do número de mandatos do Chega e a entrada do partido no grupo das forças com peso autárquico relevante, podendo ultrapassar a CDU. Em consequência, é expectável que as tendências nativistas, tanto a nível nacional como local, se articulem, designadamente nas áreas da segurança, da habitação e da saúde.

O outubro de 2025 em Portugal não se anuncia revolucionário como o outubro russo de 1917. Contudo, as eleições autárquicas trarão uma nova transformação política no plano local com impacto nacional, contribuindo para a consolidação do fim da hegemonia bipartidária ocorrida nas legislativas e, dada a sobreposição temporal dos dois ciclos eleitorais, projetando o debate político na corrida presidencial.


David Pimenta (Artigo também publicado em: 

https://observador.pt/opiniao/outubro-a-direita-transformacoes-locais-com-impacto-nacional/)

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