Notre Dame, a Catedral da Europa


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Tal como em muitas outras catedrais europeias, crê-se que o local onde foi erigida Notre Dame viu nascer e morrer outros templos pagãos e cristãos, fruto da fé dos povos que habitaram o território ao longo dos tempos: os celtas, com as tribos gaulesas; os romanos; e os germânicos, representados pelo Reino dos Francos, do qual resultaram as célebres dinastias dos merovíngios e dos carolíngios. 

A primeira pedra de Notre Dame foi colocada em 1163, aquando do reinado de Luís VII, um rei franco da dinastia capetiana. A construção terminou em 1345, no período inicial da Guerra dos Cem Anos em que o rei vigente já se apelidava de francês e não de franco, atenuando os laços ancestrais com um passado bárbaro e pagão; e afirmando uma nova identidade francesa e católica. No campo da arquitetura, Notre Dame é considerada uma das primeiras e principais obras de estilo gótico que, desde há quase mil anos, marcam a paisagem europeia. 

Se as gárgulas de Notre Dame falassem, teriam um sem-número de histórias para contar. Por vezes histórias de tragédia, nomeadamente sobre as pilhagens durante a Revolução Francesa; e, outras vezes, histórias de júbilo como a coroação imperial de Napoleão Bonaparte e a beatificação de Joana d'Arc. 

O monumento parisiense popularizou-se ainda mais nos séculos XIX e XX com a escrita de Victor Hugo, com famosas produções cinematográficas (como “O Corcunda de Notre Dame” da Disney) e com o desenvolvimento do turismo em massa nas últimas décadas. 

Entre a França de Luís VII e a França de Emmanuel Macron existe um mundo de diferenças, mas existe também um mundo de semelhanças que passaram de século em século até à atualidade, através da tradição e do costume. Nem mesmo o radicalismo dominante da Revolução Francesa quebrou uma corrente civilizacional que faz o comum francês (e europeu) do século XXI sentir que Notre Dame constitui um elemento fundador da sua cultura.  

O trágico incêndio do passado 15 de abril atingiu o coração dos europeus que choraram uma catedral como se de um familiar se tratasse. E, por entre os pingos da chuva de lamentos, vislumbrou-se algo importante – os europeus não esqueceram o seu passado basilar. 


Várias são as crises que têm acometido recentemente a Europa. Crises que se crêem pontuais como as crises financeiras ou brexit e crises mais estruturais e alarmantes, relacionadas entre si, como o inverno demográfico e a perda de influência e poder no mundo. Porém, enquanto há memória, há futuro. As reações emocionadas ao incêndio da simbólica catedral revelam-nos sinais de uma Europa que afinal não arrumou a sua matriz civilizacional num baú esquecido na cave da história.  

Nas próximas eleições europeias importa trazer civilização e cultura para o discurso político, sendo este o modo mais natural de aproximar o cidadão europeu da distante política comunitária. Segundo um estudo de opinião do instituto BVA, o cada vez mais contestado Presidente Macron aumentou em 3% a sua popularidade em relação ao mês passado, considerando o discurso de cumplicidade e união no momento em que um dos principais símbolos de França foi atingido pelo fogo. 

A presença civilizacional de Notre Dame na Europa é hoje tão colossal, como seriam os 69 metros de altura das suas torres para um camponês acabado de chegar à Paris medieval. O modo como a ferida da catedral foi sentida é um sinal de vida e esperança para o futuro de uma Europa que ainda reconhece a sua génese.



David Pimenta

(artigo também publicado no jornal "O Público": https://www.publico.pt/2019/04/26/culturaipsilon/opiniao/notredame-catedral-europa-1870568)


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