Várias questões importantes para
o futuro da Escócia foram debatidas durante a campanha: a reconstrução da
economia no contexto pós pandemia, a sustentabilidade do sistema nacional de
saúde, o combate às alterações climáticas e, claro, a independência do país. Em
traços gerais o debate político foi marcado por muitos consensos e pontos em
comum partilhados pelos principais partidos, excetuando na discussão da
independência.
Como era esperado o SNP (Scottish
National Party) ganhou as eleições com 64 deputados (ficando apenas a um
deputado da maioria) e, com o apoio do Partido Verde Escocês (Scottish Greens)
que elegeu 8 deputados, foi alcançada uma inequívoca maioria política
independentista. Entre a multidão dos 25 partidos que concorreram às eleições,
destacou-se ainda o mau resultado do partido Alba (nome do país, em gaélico) que
comprovou a morte política do antigo líder do SNP, Alex Salmond.
Perante tal resultado, Nicola
Sturgeon ganhou legitimidade política para promover novo referendo relativo à
saída da Escócia do Reino Unido, apesar de saber que a maioria parlamentar pró-independência
não tem uma tradução direta nas intenções dos eleitores (em 19 sondagens
realizadas entre abril e maio, apenas 5 dão resultado favorável à
independência).
Numa primeira instância, Boris
Johnson irá ganhar tempo com o argumento de que enquanto a pandemia não estiver
controlada é irresponsável equacionar um novo referendo, merecendo a
concordância de Sturgeon. Seguidamente, haverá o argumento de que o referendo
deverá ser aplicado de geração em geração, mas a história sucede-se a um ritmo
cada vez mais rápido e em 2014 (ano em que foi realizado o último referendo) o
mundo era muito diferente – a questão da permanência da Escócia na UE era
importante, mas não era crucial como é hoje no contexto pós-Brexit. E, por fim,
Londres irá tentar arrefecer o fogo independentista com o velho truque da
injeção de dinheiro destinado a melhorar o panorama infraestrutural escocês,
tentando fazer esquecer o risco económico da não pertença ao mercado comum da
UE e ignorando a dimensão nacionalista identitária que, na sua essência,
despreza soluções de natureza puramente capitalista.
As duas forças políticas que
lideram agora a frente independentista escocesa representam uma grande diversidade
de identidades políticas que têm em comum a causa de uma Escócia independente.
O SNP atual é um partido que
gravita sobretudo no centro-esquerda social-democrata e que apresenta uma
agenda progressista ao nível social; mas a vocação do SNP enquanto partido de
poder é mais abrangente – é um verdadeiro catch-all party que abarca eleitores
à direita e à esquerda. O próprio passado do partido é uma história de
conciliação entre várias fações de direita e de esquerda em prol do objetivo
comum do autogoverno escocês.
O Partido Verde Escocês tem vindo
a abandonar os elementos do eco-socialismo anti-globalização presentes na sua
génese, aproximando-se do SNP em questões fundamentais como a descarbonização
da economia, políticas sociais ou a independência do país. À semelhança dos
Verdes alemães de Annalena Baerbock (uma forte candidata a suceder a Angela
Merkel na chefia do governo alemão), os Scottish Greens fazem parte de uma vaga
verde europeísta que tenderá a ter cada vez mais peso na política interna e na
política europeia.
O movimento independentista
escocês do presente tem uma natureza plural: é um fenómeno partidário, mas
também cívico; tem eleitores de direita e outros de esquerda; e tem
nacionalistas étnicos e nacionalistas cívicos, desde os descendentes das tribos
celtas nativas até parte dos chamados “novos escoceses” – imigrantes e seus
descendentes, bem como expatriados altamente qualificados.
Como é sabido o Brexit uniu
diversas forças políticas de todas as nações do reino, mas o seu motor sempre
foi o nacionalismo inglês. Considerando o princípio newtoniano de que toda a
ação gera uma reação, os restantes nacionalismos do reino têm reagido com mais
ou menos intensidade.
A relação entre os nacionalismos
inglês e escocês é longa e violenta. Começou com a oposição entre uma Escócia
etnicamente celta (nomeadamente de origem gaélica e picta) e parcialmente
tribalizada, a um invasor com o nome de Reino de Inglaterra formado pela união
de vários povos germânicos. No século XVII a união dos dois reinos foi
finalmente consumada, mas a nova identidade política (que primeiro se chamou
Grã-Bretanha e, mais tarde, Reino Unido) nunca fez os escoceses abandonarem a
ideia da independência. Ironicamente, na atualidade, parte dos argumentos de
fundo que a Escócia usa para sair do Reino Unido, são os mesmo que o Reino
Unido usou para sair da UE.
A questão não é se haverá
referendo à independência do país, mas sim quando é que será realizado. Nicola
Sturgeon tentará negociar com Boris Johnson a consulta popular para o ano de
2023. Na impossibilidade de haver acordo entre as forças políticas que habitam
em Holyrood e Westminster, antevê-se uma batalha constitucional para os anos
vindouros.
David Pimenta (Artigo também publicado em: https://www.publico.pt/2021/05/11/opiniao/opiniao/sim-escocia-1962086)

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