Um tsunami político chamado Zemmour
A quase seis meses das eleições
presidenciais francesas começa a formar-se um tsunami de grandes dimensões de
seu nome Éric Zemmour – um gigante mediático em França que é pouco conhecido em
Portugal. Por enquanto.
Zemmour é mais do que um simples
comentador político, é um polemista e um cruzado contra o politicamente correto
que tem ganho seguidores e capital político através da sua intensa e já
histórica presença em vários formatos nos media, desde o Le Figaro,
passando pela rádio até vários programas na televisão francesa. Adicionalmente,
é um dos autores mais vendidos em França; a capa do seu último livro, “La
France N'A Pas Dit Son Dernier Mot”, apresenta uma imagem que poderia ser a
de um candidato à presidência – Zemmour engravatado, com um olhar determinado e
cortante, acompanhado pela bandeira francesa.
Filho de judeus berberes
retornados da Guerra da Argélia, Zemmour nasceu e cresceu em Paris, onde se formou
profissionalmente como jornalista político e amadureceu o seu pensamento
político no espectro da multipolar direita nacionalista francesa.
Zemmour autointitula-se como
gaullista e bonapartista, enquanto defensor de um Estado francês centralizador
e liderado por um poder executivo conservador e unificador de todos os
franceses, mas tem revelado muito mais ao longo de décadas de prime time.
O francês coincide com as posições políticas do movimento identitário europeu: critica
o primado do liberalismo, enquanto ideologia que destrói as estruturas sociais
e reduz o individuo à condição de consumidor; opõe-se à ideologia de género; e
crê na teoria do grand remplacement que vaticina a submissão e
substituição da população autóctone francesa por imigrantes, nomeadamente
muçulmanos.
À data, Zemmour ainda não
confirmou se será candidato às eleições presidenciais francesas de 2022, embora
já existam vários sinais de que o comentador político está na sua última
metamorfose para político profissional – por um lado, a sua saída do programa
televisivo na CNews (para evitar uma potencial violação da lei eleitoral) e,
por outro, o surpreendente convite de Viktor Orbán que recebeu o francês no seu
gabinete de primeiro-ministro, em vez de Marine Le Pen. Neste sentido, uma
sondagem recente, que dá 11% das intenções de voto a Zemmour face a 18% de Le
Pen, afirma a enorme popularidade do candidato que ainda não é candidato.
Confirme ou não a sua candidatura
às eleições presidenciais, Zemmour marca e marcará a política francesa em
várias direções: minando Le Pen que é criticada por se ter tornado mainstream
e pela sua incapacidade de bater Macron (como ficou claro no debate de 2017);
afetando Xavier Bertrand ao promover a diluição da barreira que separa o
centro-direita da direita mais radical; apelando ao descontentamento do
eleitorado de esquerda; e atacando Macron como figura máxima responsável pela
decadência francesa. O contexto é também favorável ao discurso populista de
Zemmour, alimentado internamente pelo conflito étnico e social, e a nível
externo pela irrelevância internacional de França recentemente humilhada pela realpolitik
da geopolítica anglo-saxónica, com a crise da venda falhada dos submarinos
franceses.
Para além de Orbán, também Marion
Maréchal-Le Pen, referenciada como sendo o futuro da direita nacionalista
francesa, percebeu a força de Zemmour. A sobrinha de Marine Le Pen tem vindo a
aproximar-se da linha estratégica de Zemmour, desde que surgiu a seu lado numa
convenção da direita francesa, em 2019. Atualmente fica a dúvida sobre se será
Zemmour a apoiar Marion Maréchal, ou o contrário.
Tal como Donald Trump e outros
tantos políticos modernos que ganharam notoriedade nos media, Zemmour é
um populista do século XXI que nasce fora do establishment e usa os meios
de comunicação tradicionais e as redes sociais para massificar a sua mensagem. A
sua popularidade confere-lhe um capital político que não pode ser menosprezado;
e, tal como aconteceu na corrida de Trump à Casa Branca, as sondagens podem não
relevar a verdadeira dimensão da vaga política que se está a formar nas
imediações do Eliseu.
David Pimenta (Artigo também publicado em:
https://www.publico.pt/2021/10/02/opiniao/opiniao/tsunami-politico-chamado-zemmour-1979639)

Comentários
Enviar um comentário