Vozes conservadoras
As últimas semanas têm sido
marcadas pela discussão pública apaixonada contra a reversão da decisão Roe
v. Wade, que protegia o direito de interromper voluntariamente a gravidez
até à 24ª semana. Este momento coincidiu com o mês de junho – o Mês do Orgulho
LGBTQIA+, que celebra a luta pelos direitos civis e igualdade perante a lei das
diversas minorias de género que constituem o movimento. Nas grandes cidades do mundo
Ocidental, assistiu-se a massivas e orgulhosas manifestações das minorias Pride.
Na maior parte do globo a realidade é bem diferente, todos sabemos. Mas será
que as maiorias Ocidentais são tão progressistas nas questões sociais como
mediaticamente parecem ser?
Os juízes da ‘ala conservadora’ do
Supremo Tribunal que reverteram a decisão Roe v. Wade foram nomeados pelos
presidentes republicanos Donald Trump, George H. Bush e seu pai George H. W.
Bush. Destacam-se dois juízes da escola ‘originalista’ (uma escola de
pensamento jurídico, ligada ao conservadorismo, que se baseia na interpretação
de normas constitucionais de acordo com o contexto da sua adoção original):
Clarence Thomas, um afro-americano descendente de escravos do estado da
Geórgia, que é considerado o juiz mais conservador do Supremo Tribunal; e Amy
Coney Barrett, a juíza nomeada por Donald Trump em 2020.
Considerando que os EUA são uma
democracia representativa de admirável arquitetura, importa referir que o voto
de confiança do eleitorado nos presidentes republicanos em questão foi também
um voto de confiança nas escolhas que esses presidentes tomaram sobre quem deveria
ocupar o lugar de juiz do Supremo Tribunal; isto é, o ‘originalismo’ e o
conservadorismo que sustentam teoricamente a decisão tomada, têm uma base muito
concreta – a escolha democrática dos eleitores.
Em sentido contrário, o atual
Presidente Joe Biden, que apelidou de triste e cruel a decisão do tribunal,
vive dias complicados com uma impopularidade galopante nos índices que traduzem
a opinião do eleitorado.
Do outro lado do Atlântico, o
conservadorismo europeu tem-se dividido entre a multidão de vários partidos da
direita e centro-direita pertencentes a várias famílias políticas, desde a
democracia cristã até à emergente direita radical populista que habita hoje
alguns governos e praticamente todos os parlamentos europeus.
Contudo o ecossistema conservador
europeu é muito diferente do norte-americano. Nos EUA, a política, os negócios
e setores da sociedade civil têm uma relação mais transparente (ou, segundo
algumas opiniões, mais promíscua). Na Europa não existe, na mesma escala, uma
“indústria” conservadora com ramificações poderosas, como são os casos do think
tank Heritage Foundation, do canal de televisão Fox News, ou de inúmeras
universidades e congregações religiosas.
Apesar das diferentes realidades
entre os EUA e a Europa, há algo em comum: a existência de eleitorado
conservador em larga escala. Se nos EUA as posições desse eleitorado são
mediaticamente mais visíveis, pelo facto de existirem meios de comunicação com
uma linha editorial declaradamente mais conservadora, na Europa constata-se que
os partidos de direita com agendas socialmente mais conservadoras têm ganho
cada vez mais poder nos respetivos países porque existe um ‘mercado’ eleitoral
conservador por explorar. Portugal e Espanha são os exemplos mais recentes, deitando
por terra a ingénua teoria do excecionalismo ibérico relativamente à entrada da
direita radical na arena democrática.
Anteveem-se tempos de crescente
polarização política entre correntes progressistas e conservadoras sobretudo
nas questões identitárias de género e étnicas. Se as vozes conservadoras forem
ostracizadas ou mesmo canceladas irão invariavelmente refugiar-se na casa das
direitas mais radicais.
David Pimenta (Artigo também publicado em:
https://www.publico.pt/2022/07/05/opiniao/opiniao/vozes-conservadoras-2012491)

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