Vox: o que o Chega gostaria de ser
Considerando a proximidade e
influência das eleições em Espanha relativamente ao atual contexto político
português, têm sido realizadas inúmeras análises e comparações sobre potenciais
projetos de poder em ambos os lados da fronteira, nomeadamente as possíveis
alianças PP-Vox e PSD-Chega. As comparações são legitimas, dados os vários
aspetos comuns; contudo, há diferenças a destacar entre os dois casos,
especialmente aquelas que dizem respeito aos “novos partidos” que têm conquistado
poder na Europa. Será que o Vox é o Chega português, ou vice-versa?
O Vox, tal como Chega, pertence
ao universo da ultradireita – casa da extrema-direita e da direita radical,
onde habitam diferentes partidos e organizações: desde extremistas que rejeitam
a democracia e querem subvertê-la usando práticas inconstitucionais e, se
necessário, violentas; até radicais que, apesar de jogarem o jogo democrático, apresentam
uma visão iliberal que se encaminha para formas de democracia direta e
concentração de poder em líderes que clamam serem os representantes do povo
(tipicamente associado à maioria nativa), ungidos com a missão de punir elites
e minorias consideradas antagónicas, bem como recuperar um determinado passado
glorioso.
O partido de Santiago Abascal é
identificado, unanimemente, pela ciência política como habitando o lado radical
da ultradireita. Usando a conceptualização de Cas Mudde, este partido apresenta
as três principais características da direita radical, (muito) resumidas no
parágrafo anterior: o nativismo, o autoritarismo e o populismo. O exercício da
política comparada permite perceber que o Vox tem muitos pontos ideológicos em
comum com o Chega (e, obviamente, com outros partidos europeus de direita
radical). Mas o Vox tem também particularidades presentes e passadas que fazem
do partido um fenómeno diferente do Chega.
Para além de uma miríade de
inimigos internos e externos, comuns aos dois partidos ibéricos, o Vox tem um
poderosíssimo oponente, na figura dos movimentos separatistas existentes em
Espanha. Para além do discurso nativista anti-imigração, o Vox irrompeu na
política espanhola enquanto partido nacionalista e unionista, apostando numa
lógica punitiva contra o independentismo catalão. No contexto do Chega não
existe um movimento político adversário tao fraturante a nível nacional, como
são os separatismos; por outras palavras, não existe este tipo de material
inflamável que alimenta o fogo da estratégia de polarização, essencial para
partidos radicais.
Se o nacionalismo serve para
combater o separatismo, o Vox usa o nativismo como arma contra a imigração – um
tema, por enquanto, mais saliente em Espanha do que em Portugal, tanto nas
grandes cidades como na costa mediterrânica e nos singulares enclaves de Ceuta
e Melilla, que se constituem como pontos de entrada de migrantes africanos.
Outro ponto de evidente diferença
entre os dois partidos está relacionado com a liderança e composição do Vox. O
partido espanhol, ao contrário do seu congénere português, é um partido de quadros.
Esta característica do Vox tem raízes profundas, ligadas à transição
democrática em Espanha que, ao contrário da portuguesa, não foi enquadrada num
processo revolucionário. Neste sentido, a direita nacionalista espanhola
continuou com uma forte presença na política e também nas esferas da cultura,
comunicação social, igreja, academia e empresas; um exemplo paradigmático é o
do ingresso de políticos e apoiantes da direita nacionalista espanhola, saída
do franquismo, no extinto partido Aliança Popular e, posteriormente, no PP
(que, não por acaso, formou atuais líderes do Vox). Ao contrário do Chega, o
Vox não é um partido unipessoal, para além de Abascal, há Rocío Monasterio,
Javier Ortega-Smith, Iván Espinosa de los Monteros, Jorge Buxadé e outros
líderes emergentes. E, para além do próprio Vox, existe ainda uma rede de
organizações que alimentam a ação política do partido como é o caso mais
notório da Fundación Disenso – um think tank com projeção na
Europa e Américas.
Em suma, existem diferenças
substanciais entre os dois partidos. Para além de estar enquadrado num contexto
que lhe é particularmente favorável, o Vox encontra-se mais preparado para o
exercício da conquista e manutenção do poder; é o partido que o Chega gostaria
de ser. Contudo, esta conclusão não exclui a hipótese de aliança futura entre o
espaço do centro-direita e a direita radical em Portugal, à semelhança do que
já se passa em Itália ou na Suécia e do que se poderá passar em Espanha.
Tipicamente, os novos fenómenos políticos chegam à península ibérica com mais
(no caso português) ou menos (no caso espanhol) delay, mas acabam por
chegar.
David Pimenta (Artigo também publicado em:
https://www.publico.pt/2023/04/04/opiniao/opiniao/imigracao-mudanca-paradigma-2044975)
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